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A FOTO ACIMA É A VISÃO QUE TEMOS DO NOSSO INCANSÁVEL PICA PAU, ABUNDANTE AQUI NA MATA DA NOSSA "VILA ENCANTADA".

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

CASINHA DE BONECAS - Por Vicente Almeida

MENINA-MÃE

Se observarmos uma menina brincando com uma boneca perceberemos ela tratando-a como sua filha, vestindo-a, alimentando-a, ralhando com ela por alguma travessura imaginária, ou curando suas doenças também imaginárias. E a menina fica muito triste quando não encontra sua boneca no lugar que pensa haver deixado, chegando às vezes ao desespero como se houvesse perdido algo infinitamente importante, como um filho.

Ela é uma mãezinha embrionária, e da verdadeira mãe possui realmente o instinto.

Enquanto espera tornar-se mulher, esposa e mãe, a menina concentra instintivamente toda sua afeição na boneca e demonstra todo seu amor como se de fato fosse sua filha. Esse é o seu mundo real.

Se perde na noite dos tempos, o dia em que a boneca surgiu como brinquedo de criança.

Os arqueólogos descobriram em uma gruta, bonecas da idade paleolítica, entalhadas em madeira, plasmadas com argila, recoberta de trapos e de folhas, ou pintadas rudimentarmente. Isto atesta que as bonecas já existiam na pre-história, quando os homens ainda se protegiam da fúria dos elementos, vivendo nas cavernas e nas palafitas.

O Criador, em sua ilimitada sabedoria dotou a menina com instinto materno e criativo, e sem ela perceber, ia se amoldando de forma a se tornar a futura mamãe.

As meninas do meu tempo de criança, tinham  criatividade e inventavam uma boneca com qualquer pedacinho de madeira. A mais criativa era a boneca de sabugo de milho que já tinha os cabelos pretos ou loiros. E assim brincavam tratando-a como o ser humano... E eram felizes.

Este milenar brinquedo feminino chegou a minha época no século XX, e me vi familiarizado com as bruxinhas de minhas irmãs, mais velhas que eu. Eu era o sétimo de uma linhagem de treze irmãos, por tanto o do meio.
Esta é a imagem que mais se aproxima das bruxinhas que conheci, mas aqui elas estão em traje a rigor
Lembro muito bem das bruxinhas. Eram bonecas de pano recheadas com mulambo - Fragmentos de tecidos. com cabeça, braços e pernas, mas, sem cotovelo ou joelhos... E também sem dedos e sem beleza, confeccionadas no aconchego do lar. As mães ensinavam as meninas dar o acabamento, e com uma pequena agulha e linha, elas traçavam no rosto, os olhos, o nariz e a boca, e na cabeça não esqueciam diminutas tiras de pano simulando o cabelo preto o loiro. Os vestidinhos e saias eram todos confeccionados manualmente por elas, ponto por ponto. E as bonecas tinham direito a vestidos especiais em dias festivos. Era os anos 50.

Muitas mães, naquele tempo davam chances para as filhas brincarem a vontade e não interferiam, a não ser para ajudar quando as pequenas mamães recorriam a elas.

Em minha mente está afluindo aos borbotões, as imagens daqueles passado, e vejo no quintal da nossa casa, lá no sitio, uma pequena casinha de uns dois metros quadrados, coberta de palha e sem paredes, mas bem varrida e dividida em sala, quarto e cozinha.

A casa era toda mobiliada com miniaturas de móveis também improvisados por elas usando a criatividade e qualquer pequeno objeto. Valia tampas de garrafas, de vidros de perfumes ou remédios. Tudo servia para improvisar pratos, canecas e panelas. Sendo que pequenas panelinhas e potes eram feitos por elas usando argila apropriada.

Qualquer pequeno pedaço de madeira ou mesmo de tijolo, conforme o tamanho era transformado em cama, mesa ou assento. Aliás, tijolo era uma raridade naquele tempo. Todas as casas nos sítios eram feitas de taipa.

Puxa vida, agora me dou conta de que aquele aconchego infantil era realmente um lar em miniatura talhado com as próprias mãos das crianças, sem a intervenção das indústrias, que posteriormente conseguiram abolir a criatividade infantil.

no quintal da casinha, no cercado imaginário ao lado, havia o gado, as ovelhas e as cabras que formavam o patrimônio das bonecas. Esses animais eram improvisados com maxixes e abacates novos que caiam dos abacateiros, naquele tempo, abundantes em nosso quintal. Com alguns pequenos gravetos faziam os pés dos animais.

Os domingos eram dias festivos na Casinha de Bonecas. Minhas irmãs convidavam suas amigas do sítio para vir com suas bonecas, afim de participar de algumas celebrações inventadas, que duravam todo o dia. Nesse dia havia guisado feito em pequenas panelas de barros que mamãe comprava na feira do Crato. E as mães das meninas às vezes as acompanhavam e aproveitavam para um dedo de prosa com minha mãe.

Para o guisado elas usavam a trempe. As avós de hoje sabem o que é uma trempe. É um conjunto de três pedras em alguma parte da cozinha, com altura suficiente para atear fogo debaixo e ferver a comida. Elas realmente faziam a comida e distribuíam com as visitantes. Era tão pouca que depois iam almoçar e voltavam para a brincadeira.

Era nos domingos que faziam batizados, casamentos ou aniversários das bonecas. Tudo simulava uma casa de verdade.

O paparicado com as bonecas era muito grande. Cada mãe segurava a filha da outra de vez em quando e simulavam a conversa dos adultos, às vezes até picante para uma criança: Comadre, ontem meu marido quebrou o pote só por que eu não pus a janta dele no prato que ele gostava, foi água pra todo lado dizia uma. A outra rebatia, mas comadre pois meu marido é bonzinho, nunca fica com raiva, só quando chega em casa e a janta num tá pronta, ai ele chuta o cachorro e o cachorro morde ele. Eu não entendia ainda esses papos, só ouvia.

PAAARA, Para para! Você já está perguntando por que eu é que estou contando essas histórias e não uma mulher!

Bom. Só tem uma explicação! Nunca li uma história resgatando as bruxinhas que tanto sucesso fizeram no meu tempo. Por outro lado, sendo eu pequenino entre cinco e oito anos, estava sempre no meio das meninas. As vezes brincando com os irmãos das visitantes, ou interagindo nas brincadeiras delas, principalmente pastoreando o gado, as ovelhas e as cabras de mentirinha.

Tenho certeza que esta história é muito parecido com a de tantas hoje mamães,  avós e bisavós, que não sabiam estar naquele tempo fantasiando imagens reais do seu futuro.

Texto: Vicente Almeida
29/10/2012

3 comentários:

  1. ...fantasiando imagens do seu futuro.
    Ou melhor treinando para...
    Brinquei muito de bonecas, mas não se fazem mais bruxinhas como as nossas!
    Um abraço.

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  2. Também brinquei muito com bruxinhas entre uma tarefa e outra, pois sendo a filha mais velha, mesmo criança, não me faltavam tarefas, mas toda e qualquer folga corria para conversar com minhas bruxinhas.

    Na verdade elas eram minhas confidentes.

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  3. Eh...

    Foi-se o tempo em que brincar com bonecas ou bonecos era privilégio de menina, e bolas, carinhos e pião eram privilégios dos meninos.

    Hoje as crianças recebem tudo industrializado. Não há mais aquela bruxinha personalizada criada pela própria criança ou sua mãe.

    As fábricas de brinquedos já não deixam eles exercerem a sua criatividade. E os bonecos e a partir da década de setenta, bonecos industrializados invadiram a infância de meninos ou meninas.

    Já não há distinção ou especificação de quem deve brincar com o que.

    Playmobil, falcon e tantos outros bonecos são destinados a ambos os sexos. É só o filho pedir e o pai compra. Como não custou trabalho para a criança, o interesse pela novidade passa ligeiro, e no dia seguinte já encontramos pernas e braços espalhados pela casa.

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