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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A DIVINA COMÉDIA - INFERNO - CANTO IX - Por Vicente Almeida

Canto IX

Erínias e Medusa Círculo da heresia (6) - Túmulos

O medo me tomou quando vi o semblante do mestre, que se aproximava, e dizia quase para si:

- Precisamos triunfar, se não... Mas não, ora! A ajuda nos fora prometida! Como demora!
Eu vi muito bem como ele mudou de tom ao tentar encobrir o que falara, ou a palavra que não havia pronunciado, por isso mais medo tive ainda, pois a frase que ele deixara incompleta, eu completei com sentido pior.

- Alguma vez já desceu, a estes círculos profundos do inferno, alguém do Limbo? - perguntei-lhe.

- Isto é raro - respondeu-me o mestre -, mas é verdade que eu mesmo já fiz esta viagem e desci até o círculo mais profundo, quando uma vez fui convocado. Não se preocupe, pois conheço bem o caminho.

Virgílio continuou a falar, mas, de repente, minha atenção se voltou para o céu onde vi três Fúrias infernais. Eram figuras femininas, ungidas de sangue e com serpentes ferozes no lugar dos cabelos. O mestre, que já conhecia as escravas de Proserpina, me apontou:

- Olha! São as Erínias ferozes! Aquela é Megera, à esquerda, e aquela que chora à direita é Aleto. Tesífone é a do meio.

Elas gritavam alto e com as unhas rasgavam o peito. Eu fui para junto do poeta, tomado pelo medo.
Medusas na porta de Dite tentando barra a entrada de Dante e Virgílio - Ilustração de Gustave Doré - Sec. XIX
- Venham Medusa, venham! - gritavam - vamos transformá-lo em pedra! Que pena que deixamos Teseu escapar!

- Fecha os olhos e volta-te! - gritou Virgílio - pois se a górgona vier e tu olhares para ela, não haverá mais volta ao mundo! - e com estas palavras ele me virou de costas e, não confiando nas minhas mãos que já estavam sobre os olhos, colocou as dele sobre as minhas e lá as manteve.

De repente, ouvi um grande estrondo e uma ventania tomou conta do ar levantando poeira e fazendo um barulho assustador. Depois, o inferno começou a tremer. Ele então tirou as mãos dos meus olhos e disse:

- Agora vira-te e olha na direção do pântano, onde a bruma é mais espessa.

Olhei e vi mais de mil almas apavoradas no ar, fugindo, saindo do caminho de um ser que vinha, caminhando sobre o Estige, sem molhar os pés. Ele afastava o ar sujo com as mãos, e essa aparentava ser a única coisa que o incomodava. Eu tinha certeza, agora, que ele vinha do céu. Voltei-me para o guia mas ele fez um sinal para que eu permanecesse em silêncio.

O anjo chegou e tocou as portas de Dite com uma pequena vara, fazendo com que elas abrissem sem esforço.
Anjo abrindo o portal da cidade de Dite - Ilustração Gustave Doré - Seculo XIX
- Ó almas mesquinhas - ele começou, sobre as portas da cidade sombria - por que resistis contra aquela vontade que nunca pode ser negada e que, mais de uma vez, só fez aumentar vosso sofrimento?

Depois de falar, voltou pelo mesmo caminho por onde tinha chegado. Nós depois prosseguimos, seguros por suas palavras sagradas, e entramos sem dificuldades pela porta principal.
Túmulos dos heréticos - Ilustração de Gustave Doré - Seculo XIX
dentro da cidade, encontramos um cemitério de tumbas abertas, de onde se ouvia o lamentar de muitas vozes que queimavam em brasa dentro das covas.

- Mestre - perguntei -, que sombras são estas que aqui jazem e que só podemos perceber pelos seus lamentos?

- São os hereges e seus seguidores. - respondeu-me Virgílio - Em cada tumba repousam os réus de uma mesma seita, que são torturados pelo fogo eterno.

Dobramos, então, à direita, e continuamos a caminhar entre a muralha da cidade e as sepulturas.

No Canto X Espíritos de Farinata e Cavalcanti.
Vicente Almeida
15/01/2014

Um comentário:

  1. É...

    DITE - Cidade dos hereges: como cidade dos mortos, contém um cemitério que abriga vários grupos heréticos, entre eles, aqueles que não acreditaram na sua existência, como os seguidores das doutrinas de Epicuro, que negava a sobrevivência da alma após a morte corporal.

    As gravuras do poema, foram inseridas no decorrer do tempo, por desenhistas e pintores consagrados. A maioria pertence a Gustave Doré.

    Elas têm a finalidade de auxiliar a leitura, simbolizando a visão do pensamento de Dante em cada passagem.

    O curioso é que no inferno, as almas dos pecadores estão sempre despidas. É uma alegoria dando a entender que da terra nada se leva de bens materiais, ficando a alma totalmente indefesa a mercê das mentes malignas.

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