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O LABORATÓRIO SIDERAL leva até você, somente POSTAGENS de cunho cultural e educativo, que trata do universo; das gentes; das lendas; das religiões e seus mitos, e de forma especial, dos grandes mistérios que envolvem nosso passado. Contém também muitos textos para sua meditação. Tarefa difícil, mas atraente. Neste Blog não há bloqueio para comentários sobre qualquer postagem.

A FOTO ACIMA É A VISÃO QUE TEMOS DO NOSSO INCANSÁVEL PICA PAU, ABUNDANTE AQUI NA MATA DA NOSSA "VILA ENCANTADA".

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A DIVINA COMÉDIA - INFERNO - CANTO XXI - Por Vicente Almeida

Vala dos corruptos - Malebranche (demônios)

De cima de outra ponte paramos para ver a próxima fissura de Malebolge, que era incrivelmente escura.
Diabo conduzindo nas costas uma alma para jogá-la no breu fervente - Ilustração de Paul Gustave Doré 
embaixo um grosso breu fervia. Eu olhava mas nada via a não ser as bolhas de piche que a fervura levantava. 

Enquanto meus olhos procuravam alguma coisa naquela escuridão, meu guia gritou:

- Cuidado, cuidado! - e logo me arrancou do lugar de onde eu estava.

Voltei-me e vi logo atrás um diabo preto que corria em nossa direção. Ai, mas como ele tinha um aspecto feroz! Com suas asas abertas ele corria ligeiro com os pés. Levava um pecador no seu ombro pontiagudo, que pelos tendões dos pés tinha seguro. Parou diante da pez fervente, e gritou:

- Ó Malebranche, aqui está mais um daqueles anciões devotos de Santa Zita. Cuida dele pois eu vou buscar outros. 

Quase todos naquela terra são corruptos, exceto, é claro, Bonturo! Lá, com dinheiro, qualquer não vira um sim.

Depois que falou, soltou o pecador das alturas, que submergiu no líquido espesso. O diabo voltou correndo pelos recifes e sumiu na escuridão. O pecador ainda tentou ressurgir na superfície, mas vários demônios que estavam sob a ponte saíram e o perfuraram com mais de cem garfos, levando-o a outra vez submergir.
Os dez demônios que guiarão Dante e Virgílio pela vala dos corruptos - Ilustração de Paul Gustave Doré
- É melhor que te escondas. - sussurrou o mestre, preocupado com a presença de tantos demônios - Não é bom que saibam da tua presença. Fica aí atrás daquela pedra e não saias tu de lá até que eu te chame!

Fui e obedeci. Seu temor tinha sentido. Quando o mestre chegou ao outro lado da vala, eles surgiram. Saíram todos de baixo da ponte e quando viram o meu guia, apontaram arpões na direção dele.

- Nenhum de vós seja inimigo! - gritou Virgílio - e antes que me ataquem, que venha um de vós e me ouça!

- Vai Malacoda! - gritaram todos.

E então, um dos diabos se separou do grupo e se aproximou, rosnando:

- De que lhe adianta falar comigo?

- Crês tu Malacoda - falou o mestre -, que eu teria chegado até aqui se não fosse por vontade divina? Me deixa seguir pois no céu a vontade é que eu guie alguém por este caminho.

Com isto o orgulho dele caiu, assim como o seu arpão que parou a seus pés, e gritou para os outros:

- Não toquem nele!

O mestre então gritou, ordenando que eu saísse do meu esconderijo. Eu obedeci e corri na direção dele. Vendo todos aqueles diabos voando na minha direção, temi por um instante que o pacto não fosse cumprido.

- Vou tocá-lo! - gritou um - Aonde? - perguntou outro. Mas Malacoda voltou-se rapidamente para eles e os afastou, gritando:

- Fica quieto Scarmiglione! - e depois virou-se para nós, dizendo - Esta ponte sobre a sexta vala está em ruínas. Se vocês quiserem prosseguir, devem continuar por esta beira e mais adiante irão encontrar outra ponte. De ontem, cinco horas mais que agora, já são 1266 anos desde que esta via foi destruída. Para lá mandarei alguns dos meus guardas que irão fiscalizar os pecadores no fosso. Podem ir com eles. Eles se comportarão.

E então Malacoda designou 10 diabos para nos escoltar, chamando-os um a um pelo nome: Calcabrina, Alichino, Cagnazzo, Libicocco, Draghignazzo, Graffiacane, Ciriatto, Farfarello, Rubicante e Barbariccia, o chefe da expedição.

- Meu mestre, o que é que eu vejo? - falei, assustado - dispensa a escolta e vamos embora sozinhos, pois eu não quero seguir na companhia deles. Se prestas atenção, como é o teu costume, vê como eles mostram os dentes e piscam uns para os outros.

- Não há o que temer - respondeu o mestre - deixa que eles mostrem seus dentes à vontade. Eles o fazem para as almas que fervem e não para nós.

Antes de seguirmos pela beira à esquerda, os demônios saudaram Malacoda soprando, com a língua firme entre os dentes, fazendo um som obsceno. Esperavam um sinal para partir. O demônio então, os respondeu de volta com o ânus em som de trombeta.
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No Canto XXII, veremos a escolta  dos dez demônios
Vicente Almeida
10/04/2014

Um comentário:

  1. É...

    Corruptos (barateiros): São os acusados de barataria (ação de dar tendo em vista um benefício pessoal), como os juízes que recebem propinas para alterar seu julgamento ou políticos que só defendem os interesses de seus representantes em troca de votos.

    Os corruptos são para a cidade o que os simoníacos são para a igreja. Eles tiram proveito da confiança que a sociedade deposita neles. Eles são submersos na pez fervente (substancia betuminosa).

    Malebranche é o nome da legião de demônios que guarda a vala dos corruptos. Malebranche significa literalmente "malvadas garras".

    O demônio ao mencionar que há 1266 anos (1300 - 1266) a ponte foi destruída, está se referindo a passagem de Jesus Cristo pela mansão dos mortos (segundo o Credo). Na ocasião houve um grande terremoto que derrubou a ponte sobre a sexta vala e causou o deslizamento de terra entre o sexto e sétimo círculos (Canto XII). A descida ao inferno teria ocorrido na nona hora (depois do nascer do sol), o que corresponde às três horas da tarde, portanto, são aproximadamente dez horas da manhã de sábado.

    Santa Zita: Padroeira da cidade de Luca. Lá, os magistrados eram chamados de anciãos (em Florença, por exemplo, eram chamados de priores).

    Bonturo Dati era conhecido como o mais corrupto dos anciãos de Santa Zita. Quando o demônio diz que todos são trapaceiros com exceção de Bonturo, ele está falando com ironia, pois Bonturo distribuía empregos e cargos a quem o apoiava, assim como excluía quem não lhe agradasse.

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